Sou filho de um radialista locutor esportivo aposentado e uma pedagoga letrista, excelente em alfabetização. E pela minha liberdade poética eu afirmo que isso não é mentira.
Meu pai, antes de se enamorar pelos encantos da jovem de cabelos cacheados e sardas evidentes, narrava os jogos de futebol nacionais numa rádio popular na minha pequena cidade do interior. Até hoje, quando, muito raramente, eu e ele temos um momento de ócio conjunto, ele faz narrações improvisadas que deixaria qualquer Galvão Bueno desempregado. Sem modéstia, o cara é foda.
Daí veio a jovem professora, que se deixou levar pelas cantadas caretas do Don Juan de olhos puxados mas sem ascendência amarela, que educou e letrou pelo menos quatro ou cinco gerações antes da minha.
Um radialista e uma professora. Como eles ficaram tão surpresos quando eu decidi me tornar artista?
Eu era uma criança enjoada, assumo. Feijão? Nem pensar. Escola particular, Roupas da Tigor T Tigre, Jogos de Tabuleiro, e por aí vai. Mas ainda que enjoada, eu sempre me vendia fácil quando ganhava livros.
Antigamente, haviam aquelas coleções de livros curtos com contos de fadas que vinham em uma caixa de papelão ultra colorida e chamativa, e eu sempre quis todas que esses vendedores-de-livros-em-caixa-de-papelão vendiam frente às escolas. Horário de pico, eles eram espertos. Qualquer criança ficava deslumbrada com aquelas cores e a fantasia das histórias.
Assumo que nos primórdios eu brincava mais com a caixa do que com os próprios livros, até que minha mãe leu “Peter Pan” pra eu dormir. Obviamente aquela noite o sono não veio, pois esperei entusiasmado na janela de casa o pequeno menino que não queria crescer para me levar à Terra do Nunca (onde eu ia encontrar as sereias). Há uma memória falsa ou um sonho lúcido de que uma noite eu vi a sombra dele na janela. Não quero racionalizar sobre, vamos acreditar na fantasia.
Depois, veio a adolescência e com ela, a vontade de ser intelectualmente aceito. Sou grato pelos meus pais terem trepado nos anos 90, pois assim, eu vivi os anos 10 muito bem recheado de distopias fantasiosas e romances clichês. Comecei por Jogos Vorazes e fui caminhando por todas as trilogias da época, até que encontrei meu primeiro grande amor: John Green.
Ah, John Green! Ele inventava metáforas onde, em minha concepção de adolescente sonhador, eram as mais efervescentes e criativas de toda a história da literatura. Como a do cigarro de Augustus Waters de “A Culpa é das Estrelas”. Muito lindo mesmo. É fato que eu roubei cigarros da carteira do meu padrasto para viver a aventura jovial completa e hoje sou um completo tabagista infeliz, porém John Green: você foi o cara.
A adolescência foi se esvaindo, os livros por prazer se tornaram as obrigações de vestibular, e eu, nunca reclamei. Eu adoro os clássicos. Gregório, José de Alencar, Machado de Assis, Gonçalves Dias, Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, Aluísio de Azevedo, Raul Pompeia, Augusto dos Anjos, e por aí vai. Me diverti com eles.
Mas as histórias vão se tornando cada vez mais reais, e foi em meados dessa época que fui provocado por uma professora de ensino médio que me desafiou a fazer silêncio por sete aulas suas, fato este que me fez prestar atenção quando a mesma falava sobre o Trovadorismo. Me apaixonei. As notas despencaram em Literatura de forma desproporcional com as Exatas que eu sempre reprovei e fui passado pelo conselho de classe (alerta de segredo secreto).
Na faculdade eu li pouco. O lisérgico e a sexualidade aflorada, combinados com falsas desilusões e arte pulverizada me fizeram um não-leitor. Bertold Brecht? Não li (não vou nem confirmar se o nome do mesmo está certo). Antoan Artaud, Augusto Boal, Willian Shakespeare, Vitor Hugo, Nelson Rodrigues, (e eu nem lembro tantas referências) eu não li. Me perdoem os meus alunos. Posteriormente eu retomei grande parte do conhecimento que me foi passado (já me retificando).
E o prazer de ler nunca mais foi o mesmo.
Tempo se passou e hoje sou sobrevivente de uma pandemia. Muitos dos livros de distopia que li na adolescência começavam meio neste tom. Mas é a real. Vivi durante uma pandemia mundial onde a - maioria - das pessoas se privaram do contato humano e ficaram reclusas em suas casas. Época de descobrir novos hobbies. Eu tive o privilégio de ficar em casa, então estou falando deste lugar, JAMAIS em demérito de outras pessoas. E foi quando eu decidi retomar minha grande coleção de livros. Trombei em “Me chame pelo seu nome” e fiquei encantado em ler um romance homoerótico passado nas paisagens lindas da Itália. Baixei o filme em Torrent para assistir após a leitura (viva a pirataria!). Finalmente voltei a ler, ufa. Bolhufas. Não durou uma semana minha obsessão. Eu estava embalado pelos clássicos do cinema. Mas enfim, não me julgo, pois hoje meu conhecimento de cinema é vasto desde o expressionismo alemão à pornochanchada.
A principal responsável por me fazer voltar a ler foi a >atenção< esplendorosa magnífica cérebro de diamante: Carla Madeira. Ganhei “Tudo é Rio” da minha amiga Vick (te amo Vivi) e me obcequei. Dali pra frente foi só pra trás. Li tudo que ela escreveu. Daí aceitei novas indicações e li Aline Bei MARAVILHOSA. Daí voltei a frequentar livrarias de shopping (que tesão os cheiros) e aquela criança Peter Pan foi novamente agraciada. Rita Lee Jones, ou o ser humano mais interessante que já pisou nesse globo, também trouxe o pequeno jovem leitor filho da moça dos cachos e do rapaz de olhos puxados de volta a seu local de origem. Nesse meio tempo também, comecei a trabalhar no meu sonho de infância: na biblioteca municipal. E é onde estou até o presente.
Hoje eu mais escrevo que leio, assumo. Mas estou escrevendo este justamente para me esforçar a ler mais. Porque não há prazer mais enfadonho que o da leitura e foda-se os rebeldes eu também gosto de foder, beber e dormir, mas devo acrescentar mais uma verbo nesse pódio das “melhores coisas”.
Estou desengavetando livros empoeirados que eu vou ler e deixando-os expostos em minha escrivaninha. Espero que minha rinite não ataque até o fim do verão.
Nota: Eu tenho quase certeza que o John Green terminaria melhor esse texto.
0 comentários:
Postar um comentário