quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Fragmento de Histórias do amor à primeira visita (2019)

O texto abaixo faz parte de uma antologia de textos clichês escrita por este eu lírico em um momento de aspirações esotéricas & narcóticos. As referências à obra "A Tempestade" de Shakespeare não são coincidência. Diz respeito à fase romântica do Ultrarromantismo no Brasil, fase marcada pelo egocentrismo e por forte tendência depressiva (referência: Brasil Escola). Especificamente sobre "A lira dos vinte anos" que foi escrita por Álvares de Azevedo, escritor de poesia byronista que morreu aos 21 anos de idade em 1852, autor cujo custo a acreditar que seja meu tataravô ou que, talvez quem sabe, eu seja uma possível reencarnação do mesmo (já que ele não deixou descendentes, foda-se os céticos), caso isso não fosse ambição e superestação demais. 

O texto abaixo também foi escrito quando eu possuía 19 anos (quase 20) e o encontrei no meu antigo notebook em frangalhos. Quis postá-lo inteiro, mas meu senso egoico precisou adaptá-lo. De antemão, adianto que Marcelo não existe. E o trocadilho de "visita" com o famigerado "Amor à primeira vista" é intencional e tem cunho erótico. Você decide.


Histórias do amor à primeira visita

Guilherme Stella (2019)


Sabe quando a história diz que a maçã caiu na cabeça de Isaac Newton em 1966? 

O Marcelo chegou como uma combustão para minhas novas teorias sobre tudo. 

Ele era mais novo, todavia, muito experiente.

Ele tinha um jeito característico de dançar que todo mundo sempre frisava.

A nossa ligação foi tão intensa que logo viramos amigos.

Eu percebia traços da minha personalidade que eram iguais os dele.

Ele era lindo e todo mundo reconhecia isso. Apaixonante.

Era doido por que a gente vivia sempre no extremo.

Se íamos beber, bebíamos até raiar o dia.

Eu não entendia como ele se sentia quanto a mim, mas eu sabia como eu me sentia quanto a ele.

A gente nunca mensura o tamanho do sentimento das pessoas. Droga.

Eu achava isso bom até.

Era divertido o fato de que ele também era enigmático.

Ele tinha referencias parecidas e eu adorava.

Eu poderia ficar dias consecutivos falando com ele sobre qualquer assunto que tudo ele dominava.

Eu achava que não, mas já havia projetado expectativa nele.

Assim como os outros.

No momento, ser visitado já nem era mais minha fixação.

Eu só queria a presença dele. Bem perto de mim.

Não tinha como não gostar dele.

É claro que eu me apaixonaria.

Ele não pensava muito sobre suas individualidades e eu o orientava  com o objetivo de me favorecer.

Talvez fosse Caliban falando, mas era tudo tão inocente e lindo que eu lhe mostrei minha face mais Ariel.

Era sincero.

Mesmo ele não mensurando o tamanho da minha tentação, não havia maldade da minha parte. Ou havia, mas quase insignificante.

Todo mundo também projetava na gente a ideia de casal perfeito. Era divertido.

Haviam os fãs, os muitos fãs e os que não se importavam mesmo.

Era uma incógnita e eu estava minimamente pronto para resolver mais essa equação.

Era um combustível para todo o caos que haviam me deixado.

Se eu falar que foi fácil, eu minto. Eu era territorialista, e qualquer pessoa que entrava no meu caminho eu buscava um meio sutil de cortar. Jovem né (Daquelas passadas de pano necessárias).

Mas não era por mal, era por insegurança. Foram tantos pulsos cortados ao longo das eras, que dessa vez eu precisava me reencontrar.

Eu me afundei em um vale sombrio de solidão que qualquer coisa que não me fizesse mais que bem, eu não ia cultivar.

E ele fazia.

Ele passou um final de semana comigo, mas nada nunca acontecia.

Eu tirei cartas para ele. E elas não foram tão claras. Continuei confuso.

As minhas energias vibravam na mesma frequência que as dele.

Nossos corpos não costumavam se tocar muito, mas eu sentia que esse momento chegaria.

Éramos dois jovenzinhos prontos para experienciar parte da utopia mental.

Eu já havia amadurecido, e todas as antigas dores viraram cicatrizes. Me ensinaram a lidar em partes com as confusões que meu ego inventa.

Eu sempre achei que, por mais que eu fosse mais velho, ele me ensinava muito mais do que o contrário.

Era gostoso ouvir ele falar sobre seus problemas joviais, me soava bem como um desabafo sincero que só pessoas muito próximas podem escutar.

E foi tão rápido.

Eu não queria perdê-lo na efemeridade que os fatos se sucedem.

Eu nunca entendi como o Marcelo me modificou.

Ele era os princípios, os meios e os fins.

Todos os outros foram marcantes também, mas ele foi especial.

Não era como se fossemos ficar juntos ou separados. Era como se estivéssemos predestinados a nos conhecer com tamanha rapidez temendo a rotatividade dos ciclos.

Se eu colocasse em termos contemporâneos, era um exato “bromance” que eu estava mais que envolvido.

Quando o conheci, ele me disse que gostava de garotas. Com o tempo, isso não foi mais uma certeza. Percebemos juntos que era impossível prever o dia de amanhã.

Eu era firme na ideia de que viver um relacionamento heterossexual não me apeteceria jamais, mas eu revisitava a ideia e buscava explorar, mesmo que minimamente (e segundas intenções). 

Ele disse que se esforçaria para me responder após dois dias inteiros juntos.

Eu esperei. Eu sempre esperava.

Ele tinha o tempo certo das respostas e mesmo que não fosse na hora, os nossos milhares de assuntos eram inacabáveis.

Eu questionei o meu ceticismo que as pessoas que me visitaram me confirmaram no passado.

Só podia ser coisa de outra vida ou não sei... Coincidência não era.

Eu aprendia coisas de filosofia, de música, de cinema, de rotina de trabalho. E sempre me fazia muito bem.

Eu o escutaria falar por todos os dias, eu acho. Repetidas Vezes. Seria meu mantra.

Ele era bom, não transparecia maldade.

A maldade vem da convivência, que é onde você encontra as três faces das pessoas. As fraquezas, as aparências que ela quer manter e como ela se porta com quem mantém laços afetivos mesmo. Alguma lenda explica isso.

Será se ele merecia parte dentro desses escritos? Será que eu poderia mudar minha concepção de uma madrugada de drogas para uma manhã de rotina cansativa?

Eu não sabia. Eu estava disposto. Essa é a palavra.

Os meus amigos mais próximos sabiam de como eu me sentia, mas jamais ninguém entenderia.

Se nem eu entendia como uma alma que vive em outra casca poderia entender?

Eu só sabia seguir o curso do rio.

Os acontecimentos eram recheados de informação e eu buscava lidar. Todo dia quase havia uma atualização romântica.

Alguns me falavam que era besteira e que eu estava alucinando, outros me apoiavam diretamente a seguir com esta teoria.

Eu precisava me mostrar interessante o suficiente. Eu busquei fazer isso. Eu embalei em uns momentos de puro êxtase. Com ele eu podia.

Acabou que viramos referência um do outro. Éramos fiéis escudeiros, e eu mantinha a postura.

E eu não sei como a história termina. [...]

(2019)

Sigo sem saber como a história termina, mas com novos apontamentos. Hoje, aos 23 anos, sei que os jovens não morrem de amor. Eles morrem pela ausência dele. E além disso, não se deve escrever com linguagem informal contemporânea e referenciar Shakespeare e Álvares de Azevedo no mesmo texto, mas tudo bem, Dear old Pink, eu te perdoo.  

Hoje as costas já doem e a disposição para joguinhos de sentimento se foi com a rotina aborrecida. Marcelo desapareceu por um tempo, mas o carinho ficou. Vira e mexe, ele aparece. Fui parcialmente visitado, mas ainda não como eu queria. Como eu disse, nessa história estapafúrdia eu não sei como termino. As constatações aqui pré-definidas criavam uma narrativa que SIM, só existia na minha cabeça de jovem inconsolável. A história muda, o capítulo acaba, os ciclos sim se encerram, mas novos Fins podem se (re)criar. Não havia Ariel ou Caliban que previsse. Afinal, hoje acho que ambos são um só. Me perdoem os clássicos.

Guilherme Stella, 2023.

Share:

0 comentários:

Postar um comentário