Toda manhã eu ia até o elevador pensando desculpas nunca antes utilizadas para enviar para a Martha do RH, mas eu morava no primeiro apartamento do corredor e o percurso era curto e minha mente, lenta.
Dia após dia. Na maioria eu estava um ou dois minutos atrasados e eu esperava o elevador descer do 32 pro 18, do 18 pro 09, do 09 pro 08,07,06,05,04,03, até finalmente chegar no 02. E a placa vermelha de SAÍDA DE EMERGÊNCIA ficava saturando minha visão toda manhã.
Geralmente eu costumava estar sempre muito cansado. Eram noites bem recheadas de falta ou excesso de inspirações criativas, trabalhos atrasados, filmes experimentais, insônia e sequências de masturbação. Cada segundo descansado e evitando os lances de escada até o térreo eram valiosos.
Aliás, de estômago vazio, eu não podia tomar meu Valium 10 mg ou qualquer outro dos comprimidos psicoativos que eu tinha na minha bolsa. E descer as escadas com certeza irritariam minhas artérias e me faria ter um taquicardia desconfortável que iria me fazer arrotar mal-estares o resto do dia.
Decidi então descer pela escada de emergência um dia. Me rendi à grande placa vermelha. Com certeza a psicologia das cores explicaria o porque dela ser tão chamativa. Ou os publicitários. Ou quem tiver feito o material, a letra, ou a zeladora que foi quem martelou ela no concreto do prédio.
Eram dois lances de escada. E eu hesitei. Mais de uma vez. Mas em especial, naquela manhã de setembro, algum homem de negócios que moravam em um dos duplex do décimo oitavo andar decidiu enrolar mais que de costume.
Abri a porta da escada de incêndio e fui descendo. Batia um vento fresco lá, como se tivesse alguma corrente de ar de alguma porta aberta dos corredores. Na hora em específica que eu entrei eu só lembrava do cheiro do café que eu sempre compro antes de bater o meu ponto no trabalho. Estômago vazio, lembrei. Vamos evitar a gastrite nervosa novamente.
Mas as escadas não acabavam. Eu precisei chegar ao fim do primeiro lance de escada pra perceber que ainda assim, haviam mais dois. Não calculei direito? pensei. E desci mais um lance de escada.
E novamente eu continuava sem descer pro térreo. Em alguns momentos eu confirmei se estava em um sonho lúcido, mas não. E estava atrasado.
Comecei a descer correndo, desconsiderando que minha roupa podia amassar, ou que algo pudesse cair da minha bolsa. Eu chegava ao final e lá estavam outros dois lances de escada.
Peguei o meu celular e comecei a ligar pra qualquer colega de trabalho, mas não tinha torre. A internet também não funcionava.
Eu não parei. Eu devo ter descido umas 18 vezes os mesmos lances de escada. “Isso não pode estar acontecendo! Isso não faz sentido.” O meu ceticismo começou a exigir uma explicação do meu racional.
Minutos foram se passando até que eu desisti de tentar. Sentei. Acendi um cigarro. E tentei ouvir os barulhos da construção vizinha. Eu ouvia crianças chorando, alguma música de sertanejo muito alta para estar tocando às 06 horas da manhã, ouvia o maldito yorkshire da 207, ouvia várias coisas.
Comecei a pedir ajuda. Nada. Sem chances. Ninguém me ouvia.
Por vezes eu insistia e descia incessantemente aqueles infinitos lances de escada. Corria, tropeçava. E tinha algumas pausas para recuperar o fôlego e a consciência.
Os minutos viraram horas. Eu decidi voltar todos os lances para cima, para quem sabe, resolver o problema.
O mesmo esquema. Sempre apareciam novos lances de escada.
Pensamentos destrutivos, pensamentos malignos, ódio, fúria. Tudo foi passando pela minha mente.
Me lembrei de uma pequena bala de melão que estava na minha bolsa há pouco mais de um mês, que eu comprei de uma pobre criança indígena na avenida. Chupei a bala. Ela já não era tão boa.
Continuei a correr e descer as escadas. Em alto estado de exaustão. Abri minha bolsa joguei todas as coisas no chão.
Caixas de cigarros vazias, um óculos para as manhãs de ressaca, isqueiros que já não funcionavam, cadernetas, canetas estouradas, e cartelas de remédios.
Agora que chupei a bala de melão posso, quem sabe, tomar o meu Valium, pensei. E foi o que eu fiz. No seco.
Esperei fazer efeito reparando na respiração, tentando cantar mentalmente todos os mantras que o YouTube me ensinou. E num estímulo interno desconhecido, um choque de neurônios, eu levantei e decidi voltar e subir os lances de escadas. Dois. Como de costume.
Ao final dos dois lances de escada, estava à porta da saída de emergência que eu entrei pela manhã. Saí por ela. Eram 06:01 no relógio. O elevador permanecia no 18. A minha bolsa cheia com todos os meus pertences, a roupa não estava amassada e sem cheiro de cigarro. Esperei o elevador descer. E fui continuar o meu dia que mal começou. A rotina emborrece.
Preciso trocar meu despertador. Eu amo The Strokes.
Guilherme Stella, 2022.
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